Bartolomeu de las
Casas chega à América: 500 anos.
15 de abril de 1502
Eduardo FRADES, Caracas
Agenda Latino-americana'2002, pág. 222-223
Una versión más amplia de este texto, con notas bibliográficas
incluso, está disponible en castellano en http://servicioskoinonia.org/relat/289.htm
A América foi "descoberta" por Castela, graças
à inflexibilidade visionária de Colombo, no dia 12 de
outubro do ano de 1492. Colombo nunca soube que havia descoberto um
novo continente: pensava ter encontrado com "Cipango" e
esperava se encontrar com o "Gran Khan, isto é a Índia,
a China e o Japão. Bartolomeu de las Casas chegou à
ilha chamada "A Espanhola" em 1502. A frota ficou dividida
em duas partes, a metade chegou a Santo Domingo, no dia 15 de abril,
enquanto a outra metade chegou uns doze ou quinze dias depois. Com
os "índios" americanos, o jovem sevilhano Bartolomeu
não se encontrara verdadeiramente até o ano de 1514.
Las Casas parece que tinha então 17 ou 18 anos. A cidade de
Santo Domingo era então uma pequena "vila". Entre
as recordações que ele mesmo contou , disse que os espanhóis
ali moravam alegres porque haviam-se descoberto recentemente muito
ouro e alguns índios haviam se "rebelados", pois
assim justificaram as guerras e consequentemente a escravidão
e a "separação" dos índios. Essas são
as "boas novas" que dão os nativos , aos recém
chegados: e que então apenas entende Las Casas, o que inclusive
aprova de alguma forma , posto que buscará também ele
mesmo esse ouro e receberá índios por concessão
real, bem depressa.
O futuro defensor dos "índios oprimidos" que escreve
estas memórias por volta de 1552, ao menos em sua redação
atual, não deixa de assinalar a trágica qualificação
de "boa Nova" e de "evangelho "para os "cristãos
espanhóis, o fato de que possam fazer guerra e prender os índios,
para vendê-los como escravos à Espanha. "Desta maneira
que davam por boas novas, e matéria de alegria estar os índios
revoltados, para lhes poder fazer guerra, e por conseguinte, prender
os índios para enviá-los para serem vendidos à
Castela como escravos".
Não se pode fazer memória crítica dessa deformação
do fim último de toda a empresa americana, tal como acabou
vendo e promovendo este campeão da causa indígena, que
era a causa do pobre e da vítima deste momento histórico.
Em vez de lhes anunciar, com palavras e com fatos, o verdadeiro Evangelho,
acabam fazendo da "boa nova" o maior testemunho anti-evangelho,
para os índios.
Esse foi também antes o plano de seu admirado Almirante Cristovão
Colombo, quando percebe que não aparece todo esse ouro e riquezas
que pensava encontrar nas Índias. Mas será também
o de seu respeitado governador, Nicolás de Ovando, "varão
prudentíssimo e digno de governar muita gente, mas não
índios...", porque acabou sendo o inventor do "repartimento"
e futuras "encomendas" de índios aos espanhóis,
que foi praticamente uma escravidão. Por mais que fosse um
homem de "grande autoridade, amigo da justiça" não
servia para governar índios, de forma que os tratou como iguais
aos castelhanos, ainda que fossem só vassalos do reino de Castela.
Mas o erro principal, na concepção de Frei Bartolomeu
que escreve quase cinqüenta anos depois, é que não
cumpriu o fim primordial de toda esta empresa e a justificação
última da mesma com a famosa "doação papal":
a evangelização das Índias.
Las Casas pensa que a rainha Isabel, a Católica tinha muito
claro essa finalidade primeira e primordial; por isso havia encarregado
a Nicolau de Ovando que "todos os índios próximos
moradores destas ilhas fossem livres e não sujeitados à
escravidão... que vivessem como vassalos livres, governados
e conservados com justiça, como o eram os vassalos do reino
de Castela", além disto que "desse ordem como em
nossa santa fé católica fossem instruídos".
Anos mais tarde entenderá que não cumprir isto é
o que há de mais nefasto, porque se trata de um "erro
a respeito do fim": não o ouro nem o poder, mas a evangelização
dos índios é o que justificava o "direito "dos
espanhóis pisarem em terra americana e permanecer nela. Mas
os índios compreenderam rapidamente que o verdadeiro motivo
dos recém chegados era precisamente o ouro, a "auri sacra
fames", que poderia ser traduzida como "a endiabrada sede
de ouro", ou o culto a Mamón.
Alguns anos depois viaja à Roma, onde parece que foi ordenado
sacerdote no ano de 1507, mas logo retorna à Espanhola, lá
pelo de ano de 1510.
Logo chegará à ilha recém "povoada ou melhor
dizendo "despovoada" de Cuba, como Capelão de Diego
Velasques, ali chegou a ter sua própria encomenda de índios,
junto com o piedoso leigo Pedro de Renteria. Bartolomeu compartilharia
todo o processo colonial com este amigo Pedro, leitor do Novo Testamento,
e quase semelhante ao método franciscano de educar as crianças,
que conseguem escapar da morte, como futuros cristãos. Mas
anteriormente foi testemunha da morte pela fome de sete mil dessas
crianças índias em três meses: "as crianças
nascidas, pequeninas morriam, porque as mães, com o trabalho
e a fome, não tinham leite nos peitos". Isto o impressionou
tanto que o narra freqüentemente em sua obra.
Relata-nos que antes, nos primeiros anos de governo de Diego Colombo,
um cacique chamado Hatuey, que fugiu da ilha de Cuba ameaçava
invadir, mostra aos seus irmãos um baú cheio de ouro,
propõe dançar seus ritos sacros como a um deus, pois
os cristãos o tem como tal, para que ele diga-lhes que não
lhes façam mal; e logo lhes pede que o joguem no rio, para
que não os busquem para tirá-lo e adorá-lo. "Não
guardemos este Senhor dos cristãos em nenhuma parte, porque
ainda que o tenhamos nas vísceras, eles hão de tirá-lo".
Anos mais tarde, um outro fato muito mais cruel o de Pizarro com Atahualpa,
comenta que os espanhóis são tão interesseiros
"que se os demônios tivessem ouro, eles tentariam roubá-lo.
O ouro acabou sendo, se não o único fim último,
o menos principal para os espanhóis emigrados e também
para aqueles que os enviavam e o utilizavam na metrópole. Não
se equivocou o cacique dominicano; inclusive adiantou-se em assinalar
a causa última que motivou o famoso grito de Frei Antônio
de Montesino, um dos quatro dominicanos que chegaram à América
em 1510.
Las Casas sabe muito bem que o deus Dinheiro é um ídolo,
e por isso necessita se alimentar de vítimas humanas. Para
extrair o ouro, a prata e o que quer que seja, os espanhóis
não titubearam em explorar os índios.
Tornaram-se mero instrumento ao serviço de seu culto idolátrico,
e o fim, "instrumento morto", vítimas. Não
é que diretamente desejassem sua morte; o que desejam é
ser ricos: " aumentar a produção de ouro, que é
seu fim, com trabalho e suor dos aflitos e sofredores indígenas,
usando-os como meio e instrumento mortos, o que causará a morte
de todos". Por isso o texto que motivará finalmente sua
"conversão aos índios" no ano de 1514, é
Eclesiástico 34, 21: " Aquele que oferece um sacrifício
às custas da vida dos pobres, é como quem sacrifica
um filho diante de seu pai". Este texto será citado muitas
vezes na grandiosa obra lascasiana , o que indica o enorme peso que
teve a reflexão profética e sapiencial e toda a Palavra
de Deus em sua avaliação e prática cristãs.
Deste fato, e sobretudo a partir de sua entrada na vida religiosa
dominicana, a vida e obra inteira de frei Bartolomeu de Las Casas
foram dedicadas à causa indígena, à defesa, primeiro
da vida, em seguida de sua liberdade e dignidade, para terminar na
luta pelos seus direitos políticos de povos livres e capazes
de realizar uma nova sociedade e uma nova igreja, mais próxima
do Evangelho que a velha cristandade.
Mas, sem dúvida, o primeiro passo para essa conversão
tem muito a ver com esse famoso "grito da Espanhola", feito
por Antônio Montesino, em nome de toda a comunidade dominicana,
presidida pelo venerável Frei Pedro de Córdoba. Corria
o ano de 1511, e no quarto Domingo do Advento, no dia 21 de dezembro.
A propósito do "eu sou a voz que clama no deserto"
de João 1, 23 que se lia nesse dia, o pregador da verdade,
pura e dura como o amor aos pobres às vítimas, alfineta
estas palavras nos ouvintes espanhóis:
"Todos estais em pecado mortal e nele viveis e morreis, pela
crueldade e tirania que usais com estes inocentes! Dizei, com que
direito e com que justiça sejais em tão cruel e horrível
escravidão destes índios?... Eles não são
seres humanos? Não possuem alma racional? Não estais
obrigados a amá-los como a vós mesmos? Isto não
entendeis? Isto não sentis? Como estais em tão profundo
sono letárgico adormecidos?
Esse grito deve continuar soando na América Latina e no mundo
todo, pois existem o terceiro e o quarto mundo, esses submundos dos
explorados ou, pior ainda, dos excluídos da vida. Compete a
nós atualizá-lo, gritá-lo aos ouvidos dos que
não querem escutá-lo e diante dos olhos que não
querem ver a realidade do sofrimento de milhões de homens;
que viram as costas para não se aproximar dos feridos à
beira da estrada, que não querem saber do sangue de seus irmãos,
ainda que sejam seus "cains" de colarinho branco e de mãos
limpas.
Terá que terminar com essa "Dívida Externa"
que importa capital dos países pobres para o mundo rico, à
custa da fome e da morte de milhões de pessoas frágeis
e crianças especialmente. Para entender isto, há que
senti-lo, e há que despertar do "sono letárgico"
da globalização triunfante, com seu "final da história",
porque acabaram todas as utopias para os que já acreditam ter
alcançado sua meta. Uma meta desumana, por ser desumanizante
e desumanizadora.
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