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As cartas e as mensagens
de solidariedade têm se acumulado, no coração, nas
pastas e no computador, e reclamam faz dias uma merecida resposta. Minha
e de toda a nossa Igreja de São Félix do Araguaia. Para
todas as pessoas e entidades que nos vêm acompanhando, com tanto
carinho, nestes meses de ansiedades. Como é bom, cantamos com o
salmo, sentir sobre a vida o óleo da comunhão fraterna! Novidades? Além das ameaças
já conhecidas que nos têm rondado ultimamente, o Pe. Geraldo
Magela Ribeiro, redentorista, foi agredido fisicamente em plena rua de
Confresa, por seu empenho pastoral em combater a corrupção.
Toda a região
da Prelazia viu-se afetada pelas enchentes, com muitas famílias
desabrigadas e cortadas todas as estradas que dão acesso a vários
municípios. Levamos 35 anos andando por maus caminhos! Há muitos conflitos
ignorados, muitos são os mortos que não aparecem na televisão
e são muitos os dias 11, além do 11 de setembro e o 11 de
março. Mais de 10 milhões de crianças morrem cada
ano por doenças evitáveis. Cada 7 segundos morre de
fome uma criança menor de 10 anos. Cada uma dessas mortes é
um assassinato, afirmava Jean Ziegler, relator especial da ONU para
o Direito à Alimentação. África é um
verdadeiro holocausto silenciado. A política e os meios de comunicação
continuam sendo manipulados pelos poderes econômicos e a desinformação
a serviço desses poderes prolifera sistematicamente num mundo super-informatizado.
Os incipientes governos de esquerda, em Nossa América, se consomem
entre os propósitos e a impotência. Também na Igreja
(nas Igrejas) alastra-se um certo pessimismo, manifestado em encontros
mais ou menos marginais e em reivindicações impacientes.
Sente-se o peso das reformas posconciliares de involução,
o final de um longo pontificado, a multiplicação de documentos
e controles, a co-responsabilidade sempre pedida e prometida, porém
só muito simbolicamente outorgada. Chamou-me a atenção
saber que se convocava, em Einsiedeln, um segundo encontro para
os leigos desiludidos com a Igreja. É, um pouco a velha cantilena,
atualizada: Deus sim, Cristo não; Cristo sim, Igreja não;
Igreja sim, hierarquia não; hierarquia sim, mas outra. Um compreensível
mal-estar no religioso institucional. O diálogo também
se move. E se move em direção à Justiça. Dentro
do Fórum Universal das Culturas, que se celebra em Barcelona, realiza-se
o terceiro Parlamento das Religiões do Mundo, com o lema de fundo
Caminhos para a paz: a sabedoria da escuta, a força do compromisso.
Acabo de ler um livro de Christian Duquoc, Cristianismo, memória
para o futuro. Evidentemente, para que seja uma memória honesta
para o futuro, terá de ser um compromisso sério com o presente.
O futuro nos corresponde aos de baixo, proclamava numa entrevista
Rafael Alegria, Secretário Internacional de Vía Campesina.
Eu gosto de repetir que somos pobres, / porém somos / maioria
e o futuro. Frente a todas as alcas neoliberais e imperialistas,
e alongando quanto for possível a mira e a coerência, nós
propomos a Alba: alma nova, tempo novo; o outro mundo possível,
necessário, urgente. ... pero lo
nuestro es pasar, Com o carinho e o respeito que o grande Antônio merece, hei de corrigi-lo em sua angustiada visão: passar fazendo caminhos... sobre a terra, mestre!. Morreu, no ano passado, o poeta Martí i Pol, uma espécie de Machado catalão, que nos advertia com humano realismo que dificilmente caminharemos / com os olhos voltados para cima. Sobre a terra, então, os olhos, os pés e as mãos; mesmo ancorando os corações no Céu. Com uma bem-humorada humildade e com pragmatismo histórico. Sabendo, com Brecht, que é preciso mudar o mundo e que depois terá que mudar o mundo mudado. Mas sabendo, sobre tudo, que o Amor tem a última palavra. María Pilar, uma mãe que perdeu seu jovem filho nos atentados de Madri, escreveu em sua carta pública: Somos mais os que amamos, e, entre esses mais, está Deus.
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Pedro
Casaldáliga |